O sr. Jaime, de Bobadela a Elvas.
A história do mês de Março pode representar a chegada da primavera, porque a maioria de nós pensa nesta estação do ano como a estação da liberdade, do sol, dos pássaros, das flores a florir! Pensa nesta estação com alegria e ansiamos a sua chegada para termos a liberdade de passear mais, de chegarmos a casa mais tarde, já que o anoitecer demora mais a aparecer. A primavera representa vida, tal como o protagonista desta história.
O senhor Jaime é natural da aldeia de Bobadela, mas vive na vila de Boticas. E desta vez vou contar aos leitores do Ecos, uma bonita aventura. Que aconteceu à mais ou menos sessenta anos atrás.
Por mais do que uma vez o senhor Jaime rumou ao Alentejo, para trabalhar na arte das cordas. Da primeira vez que decidiu partir nesta aventura foi encorajado pelo seu tio, mas a segunda vez foi com o seu patrão, o senhor Domingos Hilário, como era conhecido na época.
A viagem é a grande aventura desta história, porque se deslocavam a pé por aproximadamente 410 km, demorando alguns dias a percorrer todo o trajeto. Era um percurso longo e cansativo, que necessitava de muita força de vontade, muita coragem e perseverança. Os nossos aventureiros dormiam ao ar livre no monte ou ao correr da estrada e comiam o lanche que tinham levado nas sacolas.
Conseguem imaginar? O que terá sido naquele tempo partir nesta viagem, de forma tão livre e pouco planeada? Haverá maior contraste, desta história e daquilo que a maioria de nós faz nos dias de hoje?
Nesta aventura iam apenas homens, porque na altura achava-se que a viagem e toda a situação envolvente eram demasiado complicadas para as mulheres.´
Durante a viagem, as pessoas por quem iam passando, demonstravam afeto e boa vontade, e viam no senhor Jaime, naquela altura um menino, um exemplo de trabalho. E muitas vezes referiam-se a ele da seguinte forma, "pobre menino, vai tão cansadinho", esta foi a frase que este senhor mais se lembra de ouvir durante o percurso.
No Alentejo, trabalhavam muitas horas durante o dia e dormiam nas cavalariças, com poucas condições,obviamente. Mas não era isso que os demovia desta corajosa aventura. O senhor Jaime recebia na altura 600 escudos,o que era um valor acima da média na altura.
Eram muitas as saudades que sentiam da família e o senhor Jaime menciona isso várias vezes, porque ser um menino de 12 anos a viajar para o outro lado do país, não era uma missão fácil.
Houve homens que acabaram por ficar no Alentejo a viver definitivamente, ou porque tinham lá alguma família, ou porque as condições que ofereciam eram melhores na época.
O senhor Jaime não tem muitos estudos, o pouco que sabe ler e escrever deve-se ao facto de ser curioso, e na época em que viveu em Lisboa, ter-se adaptado às condições, fazer imensas perguntas às pessoas que o rodeavam de forma a aprender pelo menos o mínimo. Já esteve a trabalhar na Arabia Saudita, Bélgica, Espanha, França, Moçambique e Suíça. E o mais incrível é que apesar de não falar nenhuma das línguas fluentemente, percebe um bocadinho de tudo, e a realidade é que sempre se arranjou da melhor forma, na maioria das vezes sozinho.
Este Homem não teve uma vida fácil, mesmo depois de ter a sua vida já organizada, as coisas acabaram por se complicar e ele acabou por passar necessidades, mas é óbvio, que o senhor Jaime, lutador como sempre demonstrou ser, ergueu as "mangas" e foi à luta.
O senhor Jaime fez questão de mencionar os locais pelos quais se lembra de ter passado durante a viagem, certamente não estão todos mencionados, no entanto passados sessenta anos, devemos valorizar a sua vontade e mais do qualquer outra coisa, as suas memórias:
Bobadela - Sapelos - Rebordondo - Anelhe - Vidago - Pedras Salgadas - Vila Pouca de
Aguiar - Vila Real - Peso da Régua - Lamego - Castro Daire - Viseu - Guarda - Covilhã - Fundão - Alcains - Castelo Branco - São Simão - Nisa - Alpalhão - Castelo de Vide - Alter do Chão - Assumar - Vaiamonte - Arronches - Vila Fernando - Elvas.
Este senhor é um grande exemplo para qualquer pessoa, e afirmo sem quaisquer dúvidas, que é uma pessoa cheia de luz e alegria, preparado para qualquer obstáculo e aventura que lhe possam aparecer no caminho. A prova disso é que afirma com certezas que irá voltar novamente ao Alentejo para recordar, mas desta vez, sem trabalhar nas cordas e sem dormir nas cavalariças.
Esta é uma das histórias que maior prazer me dá partilhar, porque é uma história de coragem. E que todos devemos ler e reler. Sempre que as coisas estiverem complicadas para cada um de nós, temos de levantar a cabeça e ir à luta, vai haver sempre outra oportunidade, vai haver sempre outra janela que se abre e acima de tudo, a nossa força de vontade, pode realmente mover montanhas.
Orgulhosamente Botiquense,
Mariana Carvalhais Araújo