Cegada na Granja - tradições

Caros leitores, acredito que muitos de vocês já tenham ouvido a palavra "cegada" e que a grande maioria tenha até participado em algumas, não fossem as cegadas uma prática recorrente no concelho, à muitos anos atrás.
Com o aparecimento das máquinas agrícolas, este costume foi passando a tradição esquecida muito rapidamente.
Foi no dia 20 de Julho que na Granja se realizou uma cegada. A ideia surgiu porque as máquinas apropriadas para cegar não conseguiam passar na terra em causa e então os donos dessa mesma terra decidiram aproveitar a oportunidade para relembrar esta tradição, com a ajuda de mais alguns habitantes da aldeia.
Ao contrário daquilo que se praticava antigamente, em que o trabalho começava bem cedo com os primeiros raios de sol, a cegada realizou-se durante a tarde.

Quando as pessoas começaram a chegar ao local aquilo que consegui apurar de comum em todas foi: os chapéus de palha, as camisas aos quadrados e os tais instrumentos próprios para o trabalho, as gadanhas. Antigamente como forma de proteção usavam-se os dedais, que revestiam três dedos da mão, como segurança contra um possível corte de foice.
Homens e mulheres cortavam o cereal em pequenos feixes, as gavelas. E atenção que tudo isto precisa ser feito de forma cuidadosa e exata, para que o cereal ficasse todo virado para o mesmo lado, não se pense que é apenas cortar e colocar no chão. É preciso prática e cuidado neste processo.
Enquanto se cumpria o trabalho, andava sempre alguém com uma jarra na mão, cheia de champarrião (vinho branco misturado com sumol), e diga-se que com este refresco as pessoas trabalhavam com mais vontade, nem que fosse para combaterem o calor.
Entretanto alguns homens juntavam 3 ou 4 gavelas, de modo a formarem um molho, que se atava com a granheira, sendo isto os traçados de palha que os homens faziam para atar os molhos.
Através destes processos consegui entender as saudades que as pessoas sentem deste costume, não se tratava apenas de trabalho, mas também de convívio e entreajuda. Era uma festa, porque as pessoas aproveitavam para conviver e o trabalho era feito de forma tão animada, sempre a cantar e a sorrir que apesar de tanto esforço, o balanço seria sempre mais positivo do que negativo.
No dia 20, na Granja, também foi assim, as pessoas cantaram do início ao fim, relembraram e voltaram por instantes ao passado.
Depois de cegada a palha e colocada em molhos, estes foram carregados no carro da burra, para serem transportados para a eira, de modo a formarem as medas. As medas eram construídas em pirâmides com as espigas voltadas para o interior de forma a que os grãos de trigo e de centeio ficassem protegidos da chuva e das picadas de alguns pássaros atrevidos. Apesar disto o processo outrora não era feito desta forma, porque se juntavam vários molhos para se formar os mornais, sendo mais fácil carregar os carros com os mornais do que propriamente andar a carregar centenas de molhos. Mas como o tempo e os locais também não eram os mais adequados, os donos decidiram acelerar o processo e fazer logo as medas.
No final do trabalho foi entregue à dona do centeio, um ramo, como manda a tradição. Um ramo composto por bebidas, alguns doces e também flores, enquanto quem oferece diz o seguinte: "Tome lá este raminho; Que destas mãos lho ofereço; Não é como eu queria; Nem é como mereço", e quem recebe responde o seguinte: "Aceito este raminho; Por ser das mãos de quem vem; Nós não éramos merecedores; De receber tanto bem."

Mas o dia não acabou com o trabalho e pelo resto da tarde e noite fora dançaram, cantaram, comeram as tradicionais rabanadas de vinho e beberam, sem que nada faltasse, principalmente a animação.
Mas se foi possível recordar esta tradição de forma tão animada e educativa, é adequado agradecer à Rosa e ao Carlos Gonçalves por tornarem tudo possível e proporcionarem momentos tão bons e com tanto significado ao povo da Granja. Este tipo de tradições devem ser preservadas e relembradas porque fazem parte da história de um povo. Um povo que merece respeito pela sua coragem e trabalho, seja nos tempos antigos, ou no presente.
Orgulhosamente botiquense,
Mariana Carvalhais Araújo